sábado, 6 de dezembro de 2008

Um poema de que gosto

Voltando à questão das emoções e da forma de ganharem vida e transpirarem nos sentidos das palavras, deixo aqui um outro poema de José Luís Peixoto que me parece reflectir bem este facto. È um poema que reflete a perda do pai, a perda da mãe e no final, apesar de se tratar de um poema de saudade, a presença boa das memórias, do não-esquecimento.

Na hora de pôr a mesa, èramos cinco


na hora de pôr a mesa éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.

No rosto do céu

ESte foi o resultado do último trabaalho de grupo
de dois esforçados aprendizes na arte descascar palavras.
Foi necessário pôr de molho em àguas várias, cozê-las,
descompô-las e no fim saborear. Este foi o resultado:

No rosto do céu


O banco levado pela corrente
feito de tábuas tortas
flutuando sobre o mar
um silêncio de almas mortas.

Já não escuto as vozes
só os braços das ondas
as espumas de manto
a mão a perna o banco.

Na sina da sorte
no rosto do céu
em ti, meu banco, morte,
eu deposito a vida.


Apresentamos também uma segunda versão


O banco levado pela corrente
feito de tábuas tortas
flutuando sobre o mar
ruído grito de gaivotas.

Já não escuto as vozes
só os braços das ondas
as espumas de manto
a mão a perna o banco.

Na sina da sorte
no rosto de céu
em ti, meu banco, morte,
eu deposito vida.

Elza e José